Semanas antes de lançar o que vem sendo descrito como o pior ataque contra a segurança da Europa em anos, o governo de Vladimir Putin iniciou uma outra guerra: a da desinformação. Em conversa com a reportagem do UOL, membros da Comissão Europeia apresentaram evidências de como, longe dos campos de batalha, a realidade é de uma intensa disseminação de mentiras para justificar a operação militar.
A história da desinformação numa guerra se confunde com a própria história dos conflitos armados e mesmo as disputas de poder, seja no Vietnã, na Segunda Guerra Mundial ou em golpes de estado. Em 44 A.C, em Roma, a oposição a Marco Antônio usou sua relação amorosa com a rainha Cleópatra, no Egito, para minar seu poder e o acusar de estar aderindo a uma cultura estrangeira. Numa sessão no Senado, foi apresentado o seu suposto testamento, no qual ele entregaria parte dos territórios para Cleópatra. O problema, segundo acadêmicos, é que isso não era verdade e a desinformação foi usada para enfraquecê-lo.
Dois mil anos depois, o fenômeno volta ao centro do debate, desta vez na guerra da Ucrânia. Nesta semana, quando Putin reconhecia a independência das províncias separatistas, imagens circulavam mostrando como a Ucrânia seria a agressora, além de tropas supostamente invadindo a Rússia. A meta era, segundo a UE, mostrar "provas" da ofensiva ucraniana, ainda que fosse com tanques que sequer existem no arsenal ucraniano.
Também circulou a suposta informação de que ucranianos teriam bombardeado um jardim de infância, além de "evidências" de que o governo ucraniano teria ligações com o movimento nazista.
Um dos instrumentos mais poderosos tem sido o de classificar Kiev como tendo tendo cometido um "genocídio" em relação à população nas províncias separatistas, além de teorias da conspiração sobre o uso de armas químicas e o desenvolvimento de um armazenamento de armas nucleares.
O circuito da desinformação, segundo o levantamento da UE, tem sempre o mesmo caminho. Ela se inicia no Telegram e depois ganha a imprensa pró-Putin.
Para os especialistas europeus, a dimensão da ciberpropaganda é uma realidade consagrada na opinião pública do país, com a vantagem de ser produzida por um baixo custo. Mesmo desmentida, a desinformação contribuiu para confundir, criar contradições, incertezas e, eventualmente, levar o cidadão a buscar as fontes oficiais do governo para "esclarecer" a realidade.
Na preparação do casus belli, não faltam fabricações de realidades paralelas, além da inundação de imagens de mulheres e crianças encontrando refúgio na Rússia. "Muita desinformação pró-Kremlin é dirigida ao público interno como um grito de mobilização para invocar apoio às ambições imperiais e ao aventureirismo militar do Kremlin", disse a iniciativa da UE para denunciar a desinformação.
"Esta audiência foi a figura central em uma peça cuidadosamente orquestrada de dois atos, que às vezes quebrou as regras da física e do espaço-tempo", explicou.
Primeiro, houve uma reunião coreografada do Conselho de Segurança russo cheia de teatros. A reunião foi palco não apenas de uma violação do direito internacional.
Segundo os europeus, a lista de supostos argumentos inclui as seguintes mentiras: - A Ucrânia moderna foi uma criação da Rússia, negando assim a soberania e a condição de Estado da Ucrânia.
- A Ucrânia está sob domínio e influência estrangeira e é usada como uma ferramenta contra a Rússia.
- Os membros de etnia russa na Ucrânia são perseguidos, ou mesmo vítimas de genocídio.
"Esta peça dirigida pelo Kremlin nos deu um vislumbre da mente do autocrata governante e de seus capangas", alertou a UE. "Se a desinformação pró-Kremlin foi às vezes montada em suas fábricas desesperadas e ridicularizada pelo público Ocidental e pelos analistas, a tragicomédia absurda do Kremlin foi um sinal de arrepiar os ossos do que virá no futuro", completou.
Fonte: UOL