Polícia averigua se pai de estudante de Barreiras deve responder por crime material


A Polícia Civil estuda se houve omissão de cautela por parte do pai do estudante de 14 anos que invadiu a Escola Municipal Eurides Sant'anna, em Barreiras, na segunda-feira (26). O pai do adolescente e subtenente da reserva do Distrito Federal tinha posse da arma de fogo utilizada pelo adolescente, que matou a estudante Geane da Silva de Brito, de 19. A causa da morte de Geane, no entanto, não foi provocada pelo revólver, mas por golpes de faca.

Em coletiva realizada na terça-feira (27), o delegado de Homicídios de Barreiras, Thiago Machado, esclareceu que a polícia não identificou omissão de cautela no depoimento feito pelo militar, no entanto, o fato precisa ser mais detalhado para haver esclarecimento total. Na delegacia da cidade, o subtenente disse que não sabe como o filho teve acesso ao revólver, pois a arma ficava escondida dentro de casa. As armas utilizadas na invasão foram apreendidas pela polícia.

Conforme Estatuto do Desarmamento, a omissão de cautela se enquadra quando há falha do responsável em impedir que menor de 18 anos ou pessoa com deficiência cognitiva se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade. A pena varia entre um a dois anos de detenção e multa.

A professora de Processo Penal nas Universidades Federal e Estadual da Bahia (Ufba/Uneb), Thaize de Carvalho, prevê que, ainda que o pai tenha cometida a omissão, existe a possibilidade de perdão judicial.

“Ver o filho envolvido em um caso desse [já é doloroso]. Dependendo de quem é esse pai, já pode ser grande sofrimento toda a situação”, afirma a professora.

Quanto ao homicídio, Thaize descarta possibilidade do pai responder pelo crime, dado que na área criminal a responsabilidade não ultrapassa a pessoa que realiza o ato ilícito.

Adolescente

A polícia aguarda evolução clínica do atirador - que passou por cirurgia após ser atingido por projétil e está em estado estável na Unidade de Terapia Intensiva - e encaminhará caso para o Ministério Público do Estado da Bahia, órgão responsável pela acusação.

Além do revólver e duas armas brancas, o atirador também estava com um explosivo caseiro que não foi usado. Equipes do COE e do Exército desmontaram o explosivo ainda ontem. "Ele tinha mais munições, mais instrumentos cortantes, poderia fazer um estrago bem maior".


Segundo o delegado, a arma falhou em vários momentos. “Houve uma certa imperícia dele. O revólver falhou em alguns momentos. Quando ele começou a atirar logo na entrada do colégio, as pessoas começaram a correr. Ele tinha material para recarregar, mas não teve tempo para executar mais pessoas", disse. Devido às falhas, a polícia confirmou que Geane morreu por golpes de facão.


"Eu acredito que a cadeirante estava no lugar errado, na hora errada. Quando ele começou a atirar, as pessoas começaram a correr. Infelizmente, ela foi uma presa fácil para o assassino", avaliou o delegado, em entrevista à TV Bahia.

Advogado criminalista e professor de Direito Penal na Ufba, Sebástian Mello esclarece que a previsão é de que o atirador responda por ato análogo ao homicídio, com internação em prazo máximo de três anos. Por se tratar de um adolescente de 14 anos, o julgamento segue diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente. O responsável por atirar no agressor - ainda desconhecido - pode alegar legítima defesa.


Para a advogada Thaize de Carvalho, a possibilidade de ter ferido outros estudantes amplia a possibilidade de pena mais graves devido ao ato infracional consumado e aos homicídios tentados.

A polícia afirma que não conseguiu identificar outros participantes na ação. Porém, acredita que o atirador tinha contato com pessoas de outros estados. A polícia civil mantém contato com autoridades de outros estados e serviços de inteligência do Oeste da Bahia e de Salvador para apurar ligações.

Denúncias de discurso de ódio na internet cresceram 67% neste ano
A Safernet Brasil, associação civil de direito privado que articula movimentações para enfrentamento aos crimes e violações aos Direitos Humanos na Internet, recebeu 23,9 mil denúncias de crimes contra os direitos humanos no primeiro semestre. O número representa salto de 67,5% em relação ao mesmo período de 2021. O crime mais denunciado foi o de misoginia, com sete mil casos.


Para o gerente de projetos da Safernet, Guilherme Alves, o favorecimento do discurso de ódio é visível em cenários de vulnerabilidade econômica, social e emocional, como se vive após a pandemia da covid-19. Para os jovens, fóruns e comunidades que legitimam discursos contra minorias parecem ser lugar de acolhimento.


“Não é incomum encontrar jovens que frequentam comunidades online e se retroalimentam em discursos de ódio. É muito importante que a gente entenda que escolas têm papel importante na educação e prevenção ao discurso de ódio. [Assim como] conversar com adolescentes a respeito de direitos humanos. Não parte só da escola mas da sociedade como um todo”, preconiza Guilherme Alves.

O delegado Rivaldo Luz, responsável pela investigação do caso em Barreiras, destacou que redes sociais fazem o próprio monitoramento, detectam e comunicam autoridades policiais quando há foco de natureza criminosa. “Nesse caso não fomos informados. Estamos em contato para que a gente possa ter acesso às informações”, disse em coletiva. A PC informou que está sendo realizado um aprofundamento da investigação em meios digitais, para que se possa confirmar as intenções e relações do autor e avaliar se houve participação ou incentivo de alguma outra pessoa no ato.

Horas antes de invadir a Escola Municipal Eurides Sant'anna, na manhã desta segunda-feira (26), o atirador responsável pela morte de Geane da Silva de Brito escreveu em uma rede social que estava calmo e “de boa”. “Nem parece que irei aparecer em todos jornais hoje”, acrescentou o jovem de 14 anos.

No perfil, o atirador postava fotos com roupas e máscara preta, vestido do mesmo modo que invadiu a escola. Legendas mostravam que o crime foi planejado há meses. Com frequência o agressor escrevia sobre conseguir munição, além de postar fotos com facas. Ele também usava a rede social para xingar nordestinos, judeus e público LGBTQIAP+.

“Sai da capital do Brasil para o ‘merdeste’ e nunca pensei que aqui fosse tão repugnante. Lésbicas, gays e marginais aos montes, acham que são dignos de me conhecer e conhecer minha santidade. Os farei clamar pela minha misericórdia, sentirão a ira divina”, escreveu o atirador.

A Safernet possui dois canais de denúncia e orientação a crimes virtuais e violência na internet. Um deles é serviço de recebimento de denúncias anônimas de crimes e violações contra os Direitos Humanos na Internet. A iniciativa conta com suporte de autoridades policiais e judiciais. A denúncia vale para qualquer imagem, vídeo, texto, música material atentatório aos Direitos Humanos.

Já o canal de ajuda é o serviço de orientação sobre crimes e violações dos Direitos Humanos na internet, de forma anônima e sigilosa, com orientação sobre como prevenir violências online, o que fazer para denunciar e, quando possível, facilitar a identificação de instituições de saúde e/ou socioassistenciais que possam realizar um atendimento presencial.