BC reforça necessidade de nova regra fiscal para tornar viável queda da Selic, dizem especialistas



O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decidiu por manter a taxa básica de juros – a Selic – em 13,75% ao ano. Para especialistas, o comunicado mostra que autoridade monetária reconheceu a piora no cenário internacional e doméstico com relação ao mercado de crédito e reforçou a necessidade de uma nova regra fiscal para trazer segurança às contas públicas.

“Haverá muita repercussão política em relação o que foi divulgado. O governo espera uma sinalização melhor, mas não temos arcabouço fiscal, isso ainda coloca preocupação. Ficamos em uma dependência muito grande de um modelo bem desenhado e que consiga não sofrer interferências do governo e Congresso”, avalia Sergio Vale, comentarista da CNN e economista-chefe da MB Associados.

Em relatório, o Inter também reforça a necessidade de uma nova regra fiscal para que um ciclo que queda da taxa Selic seja viável.

“O novo arcabouço fiscal deve ser apresentado em abril, quando teremos mais clareza sobre o caminho que o governo quer seguir, e a reunião seguinte do Copom poderia estabelecer a base para o início do ciclo de cortes. Caso o arcabouço seja minimamente robusto e crível, ele será um importante aliado no controle das expectativas”, diz o documento.


O BC menciona ainda a crise envolvendo bancos internacionais como um agravante para o ambiente. “Os episódios envolvendo bancos nos EUA e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados e requerem monitoramento”, diz a nota.

A instituição faz referência à repercussão da crise bancária que abateu os mercados globais na última semana, após o colapso do Silicon Valley Bank e do Signature Bank, no Vale do Silício, e da compra do Credit Suisse pelo rival suíço UBS.

Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master, chama a atenção para o espaço dado pelo Comitê com relação aos bancos internacionais e o mercado de crédito.

“Duas novidades: o BC reconheceu a situação de crédito lá fora, no sistema financeiro americano, e que pode reduzir a economia mundial. E reconheceu que a situação de crédito se complicou no Brasil, podendo estar um pouco pior do que o esperado por conta dos juros”, disse.

Por outro lado, especialistas elencam dois pontos que diminuem incertezas e demonstram que um afrouxamento por parte do BC pode ocorrer no futuro.

O primeiro deles é a reoneração dos combustíveis que, no curto prazo, reduziu a incerteza dos resultados fiscais. E, em segundo, justamente o cenário de desaceleração da atividade econômica doméstica e agora global.

Para especialistas, os fatores corroboram para que, nos próximos meses, seja registrada, de fato, uma desinflação. Contudo, reforçam ainda a importância de aliar esse quadro com uma regra fiscal que traga segurança para as contas públicas.

“Todos os movimentos são mais no sentido de desinflação. As cadeias globais estão se normalizando, a Petrobras reduziu o preço diesel, a tendência dos próximos meses é de alívio na inflação. O banco reconhece um avanço, mas quer esperar para ver a regra fiscal… a desaceleração lá fora. É claro que isso conta quando para o que o Copom vai fazer mais para frente. Mas ainda não temos um sinal de queda da Selic”, diz Paulo Gala.

O Inter, em seu relatório, menciona o quadro doméstico do mercado de crédito. “O aperto no crédito doméstico pode impactar a atividade e resultar em uma queda da inflação maior que o esperado, também abrindo espaço para o início do afrouxamento monetário em meados do ano”.

O economista Sergio Vale explica que o BC não quer permitir qualquer desancoragem das expectativas. “O BC foi explícito que não quer perder a ancoragem da inflação nos próximos anos”.

No comunicado, a instituição reforça que “irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. E alerta que este quadro mostrou deterioração adicional, “especialmente em prazos mais longos”.

Essa foi a quinta decisão seguida pela manutenção da taxa. Assim, o patamar de juros continua no maior nível desde dezembro de 2016. A última vez que o Banco Central mexeu na taxa de juros Selic foi na reunião de 3 de agosto, quando aumentou de 13,25% para os atuais 13,75%.

Por parte do Inter, a expectativa é de que a Selic permaneça em 13,75% até junho deste ano. Já a XP espera que a taxa permaneça no atual patamar até o final do ano, enquanto, na avaliação da Órama Investimentos, a Selic deve encerrar 2023 em 12%.

Ala política

A recepção das autoridades do governo se deu pouco depois de divulgada a decisão do Copom. Ainda na noite desta quarta-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considerou como “preocupante” o comunicado do Banco Central.

Haddad ainda afirmou que, a depender das próximas decisões, o “resultado fiscal poderá ser comprometido por conta dos juros altos”. “Daqui a pouco veremos problemas das empresas para recolher impostos. Nossa preocupação é essa”.

Mesmo às vésperas da reunião, a instituição sofria novas pressões. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez críticas a taxa de juros a 13,75% no Brasil e declarou que “vai continuar batendo” no Banco Central.

Segundo os especialistas, a nota emitida pelo Banco Central deve repercutir fortemente em Brasília, uma vez que a comunicação foi mais dura do que o esperado. Contudo, o entendimento é de que o conflito entre o governo e a autoridade monetária não traz benefícios e de que deve ser respeitada a independência do banco.

“O que vimos observando nas últimas semanas são questionamentos frequentes de autoridades e políticos sobre a independência do BC e o patamar da meta de inflação. Tais cobranças provocam efeitos deletérios sobre as expectativas, o que acaba sendo contraproducente”, avalia o comunicado da Órama Investimentos.

Sergio Vale reforça que nas próximas semanas é importante que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, consolide um “bom desenho” da regra fiscal e “siga em frente” com ele.