Teto de gastos: entenda o que é e como ele pode mudar

A regra do teto de gastos, aprovada pelo Congresso em 2016, durante a gestão do então presidente Michel Temer (MDB), limita o crescimento das despesas do governo federal com o objetivo de evitar o descontrole das contas públicas.

Desde que entrou em vigor, ele tornou-se a principal âncora das contas públicas, sendo apontado como o mecanismo que ajudou a controlar as finanças do governo.

No entanto, a regra foi driblada diversas vezes, especialmente após a pandemia. Para críticos, o teto engessou a capacidade de o governo reagir, principalmente em situações de crise, como a sanitária.

Durante a campanha eleitoral de 2018, todos os principais candidatos propuseram algum tipo de revisão da regra. O vencedor, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou que revogaria a regra e a chamou de “estupidez” em seu discurso de posse.

A postura do atual presidente e sua equipe tem deixado o mercado apreensivo com um novo cenário de descontrole das contas públicas, como o visto durante o governo de Dilma Rousseff (PT).

A PEC (proposta de emenda à Constituição) da Gastança, aprovada em dezembro, elevou o teto para 2023 em R$ 145 bilhões e previu mais R$ 23 bilhões não sujeitos à regra para investimentos, entre outras flexibilizações. O texto também previu que o novo governo deve apresentar uma nova regra fiscal para substituir a atual neste ano.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu apresentar uma proposta ainda neste semestre.


O QUE É O TETO DE GASTOS?
A Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016, é também chamada de “Novo Regime Fiscal”. A regra principal estabelecida por ele é a limitação para o governo federal das despesas primárias (o que não inclui despesas financeiras, como pagamento de juros) ao mesmo valor do ano anterior corrigido pela inflação.

Inicialmente, ele estava previsto para durar 20 anos, com previsão de poder ser revisto na metade do caminho (em 2026) por meio de projeto de lei. O governo Bolsonaro, no entanto, conseguiu aprovar no Congresso uma proposta que flexibilizou o teto e ao mesmo tempo extinguiu essa revisão, fazendo com que qualquer nova tentativa de mudança no teto tenha que ser feita por meio de alteração na Constituição (o que demanda muito mais votos).

QUAL FOI A MOTIVAÇÃO PARA ADOÇÃO DO TETO DE GASTOS?
Como os diferentes governos desde 2014 têm encontrado dificuldades para alcançar um superávit nas contas públicas, foi necessário encontrar uma nova âncora para frear os gastos.

QUAL É O ALCANCE DO TETO DE GASTOS?
Vale para todos os Poderes na esfera federal. Não se aplica a estados e municípios.

QUAL É O INDICADOR USADO PARA CORREÇÃO DO TETO DE GASTOS?
IPCA (índice de preços ao consumidor do IBGE) nos 12 meses encerrados em dezembro do ano anterior.

O QUE ACONTECE EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DO TETO?
A emenda não trata de punições específicas, mas há risco de ações por descumprimento de regras orçamentárias. A emenda original trazia gatilhos de correção do teto. Em caso de descumprimento do limite, ficariam proibidos:

Reajuste de servidores, criação ou majoração de qualquer tipo de benefício
Criação de cargos ou reestruturação de carreiras que elevem despesa
Contratação ou concurso público (exceto reposições de chefia sem aumento de despesa e de cargos efetivos ou vitalícios)
Criação de despesa obrigatória ou medida que eleve estas além da inflação
Programas de financiamento, novos subsídios e concessão ou ampliação de benefícios tributários
QUAIS SÃO AS EXCEÇÕES AO TETO DE GASTOS?
Transferências constitucionais a estados e municípios, créditos extraordinários (que podem ser criados em casos de urgência e imprevisibilidade, como ocorreu em 2020, durante a pandemia de Covid-19, e também nos anos seguintes), despesas para a realização das eleições, aumento de capital de estatais não dependentes e recursos arrecadados pela União com leilões de petróleo.

QUAIS SÃO AS REGRAS ESPECIAIS PARA SAÚDE E EDUCAÇÃO?
A emenda constitucional garante a aplicação mínima dos pisos constitucionais de saúde e educação, que são corrigidos pela inflação. Também estão fora do limite a complementação da União ao Fundeb (R$ 14 bilhões/ano), o Fies e o Prouni (renúncia tributária).

QUAIS FUROS FORAM FEITOS NO TETO DE GASTOS DESDE QUE ELE FOI APROVADO?
Estimativa do economista Bráulio Borges, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas) aponta que o teto tenha sido furado em R$ 795 bilhões em quatro anos, no governo de Jair Bolsonaro (PL). As principais mudanças serviram para ampliar a verba de programas sociais durante a pandemia ou mesmo para turbinar benefícios em ano eleitoral.

Em setembro de 2019, o Congresso aprovou uma PEC para não contabilizar transferências federais para estados e municípios sobre repartição da cessão onerosa do pré-sal. No mesmo ano, o governo registrou fora do teto a capitalização da Emgepron, estatal ligada à Marinha, para usar os recursos na compra de novos navios.

Já com a pandemia, a PEC Emergencial abriu um espaço para bancar parte do auxílio emergencial.

Em dezembro de 2021, a PEC dos Precatórios mudou o período de correção do teto (era pela inflação medida pelo IPCA em 12 meses até junho do ano anterior e passou a ser de janeiro a dezembro), o que elevou o limite a partir do ano seguinte e ainda possibilitou a União a postergar o pagamento de dívidas reconhecidas pela Justiça.

Em julho de 2022, uma nova PEC ampliou o valor do Auxílio Brasil, de R$ 400 para R$ 600, dobrou o Vale-Gás e criou um benefício de R$ 1 mil para caminhoneiros e taxistas às vésperas das eleições.

QUAIS FORAM OS IMPACTOS DO TETO DE GASTOS NA ECONOMIA?
Celebrado por parte dos economistas e pelo mercado, e atacado por defensores de mais recursos para políticas públicas, o teto se tornou a principal âncora das contas do governo, sendo apontado como o mecanismo que ajudou a controlar as finanças do governo, após um cenário de descontrole e perda do grau de investimento, em 2015. Ele serviu para ancorar expectativas de investidores e segurar os juros. Os sucessivos dribles ao teto, no entanto, foram minando a sua força.

ATÉ QUANDO ELE VALE, APÓS A PEC DA GASTANÇA?
A emenda promulgada estabelece que o governo federal vai apresentar ao Congresso até o fim de agosto uma nova regra para as contas públicas em substituição ao teto. Logo nos primeiros dias do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, firmou o compromisso de enviar ao Congresso a proposta ainda no primeiro semestre. A promessa é uma tentativa de transmitir a mensagem de austeridade fiscal, após a aprovação da PEC da Gastança, que autorizou o aumento de despesas. A emenda determina que, uma vez aprovado o projeto de lei com o novo arcabouço fiscal, o teto de gastos fica revogado.

QUAIS SÃO AS ALTERNATIVAS EM DISCUSSÃO PARA SUBSTITUÍ-LO?
Recentemente, o novo secretário do Tesouro, Rogério Ceron, indicou em entrevista à Folha a possibilidade de a nova regra fiscal dar flexibilidade a investimentos públicos, mas prever limitação maior para despesas correntes (que incluem salários e benefícios).

Desde o fim do ano passado, o Tesouro trabalha em uma reformulação do teto de gastos que autoriza o crescimento real das despesas conforme o nível e a trajetória da dívida pública, a uma taxa a ser definida a cada dois anos. A regra também concede um bônus de ampliação dos gastos em caso de melhora do superávit nas contas públicas.

Os economistas Arminio Fraga (ex-presidente do Banco Central) e Marcos Mendes (do Insper e um dos pais do teto atual) propõem uma âncora fiscal com meta de redução da relação dívida/PIB (que mede a saúde financeira do governo) para 65% até 2032, por meio da limitação do crescimento do gasto.

“A receita seria estimada para um horizonte de tempo e o gasto seria limitado de forma a atingir, na média, o superávit primário necessário para trazer a dívida ao nível desejado”, dizem.

O economista Felipe Salto sugere que o teto de gastos seja substituído por um teto de dívida, a partir de limitadores para a dívida pública, com meta de superávit primário calculada com base na trajetória dessa dívida. “A vantagem da proposta é reorientar a política fiscal para aquilo que realmente importa, que é trajetória da dívida, e evitar uma política fiscal excessivamente contracionista”, disse à Folha.

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